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Travessia Antártica Brasileira 2015: Relatos de viagem (Parte 2)



Perfuração rasa da neve antártica para detectar poluição na escala global. Na foto Luciano Marquetto usando trado para perfuração e coleta de amostras de neve e gelo.

Relatos por Jefferson Simões, líder da Travessia Antártica Brasileira 2015.

Dia 09 de janeiro 82 graus 51,2 minutos Sul 88 graus 59,5 minutos Oeste

1617 m de altitude

Espessura do gelo no local: cerca de 2500 metros


175 km do modulo Criosfera 1

Distância da travessia percorrida: 720 km

Passamos a “noite” passada aqui. Evidentemente, nesta latitude, nesta época do ano, o Sol esta sempre acima do horizonte. Assim, temos o Sol dando a volta de 360 graus no horizonte, ou seja, Sol da meia-noite.

Estamos tentando manter um ritmo de trabalho, acordar às 8 horas, ter um café reforçado e irmos para o trabalho. Hoje começamos cavando a trincheira de 3 x 2 m, que serve de abrigo para nossa perfuração. Por enquanto, o vento tem sido leve (10 a 15 nós), o que permite fazermos nosso trabalho sem muito sofrimento, pois ventos mais fortes fazem que a sensação térmica rapidamente despenque para 30 graus negativos ou abaixo, o que torna sofrido qualquer trabalho em área desprotegida.

Nossa missão hoje foi perfurar o primeiro poço de 20 m e recuperar um testemunho de gelo, que estimamos cobrir cerca de 40 a 50 anos neste sitio que estamos.

Coletando testemunho de gelo em uma trincheira escavada na neve. Três pesquisadores da UFRGS separam amostra recém-recuperada pela perfuração. Os trabalhos são feitos em uma trincheira escavada na neve (de 2 m de profundidade) para se proteger do constante vento que pode baixar a sensação térmica facilmente para -25 ou -30 graus celsius.

Mas por que os cientistas do clima e da atmosfera tem tanto interesse em coletar tais amostras de neve e gelo (ou seja, os testemunhos)?

A ciência necessita saber como o clima, e a química da atmosfera, variou durante o passado, só assim podemos separar as variações ambientais naturais e aquelas induzidas pela atividade humana. A disciplina que investiga esta área de conhecimento é a Paleoclimatologia e, atualmente, a técnica mais precisa e que provê mais detalhes é aquela dada pela coleta e análise química de amostras de neve e gelo. As camadas anuais de neve precipitada guardam dezenas de informações paleoambientais, tais como a temperatura do local, a distância que o vapor d’água viajou ate chegar no local de precipitação, sinais de erupções vulcânicas do passado, variações na atividade do Sol, desertificação na escala planetária, velocidade dos ventos, entre tantas outras.

Um dos nossos Hylux Toyota, modificados e alugados da Arctic Trucks (da Islândia) atravessando o platô do manto de gelo da Antártica Ocidental.

Mas os testemunhos ficaram mais conhecidos pelo publico geral por guardarem, nas bolhas de ar retidas entre os cristais de gelo, a composição química da atmosfera do passado, e, principalmente, sobre a variação da concentração de 2 gases do efeito estufa (o dióxido de carbono e o metano). O sinal achado nos testemunhos de gelo e claro, a concentração atual de CO2 de 400 ppm (partes por milhão) é a maior dos últimos 800 mil anos. Um claro sinal do impacto do homem na química da atmosfera global!

A missão de nossa travessia é mais humilde, estudamos a variação climática atual (os últimos 300 anos) e como as condições climáticas da Antártica estão associadas àquelas da América do Sul nesta escala de tempo, e é claro tentamos ver se já existe sinais de transporte de poluentes sul-americanos para o interior da Antártica (inclusive devido a queima de biomassa).

Dia 10 de janeiro

Uma manhã voltada para finalizar a perfuração de gelo. Atingimos 18 metros de profundidade, o que deve representar cerca de 36 a 40 anos de precipitação.

A temperatura manteve-se em 17 graus negativos, mas a sensação térmica caiu a 25 negativos devido ao vento.

Ao meio-dia partimos para atravessar mais 200 km do manto de gelo, coletando amostras superficiais a cada 10 km de distância.

Pouco a pouco ascendemos no platô do manto de gelo antártico, agora totalmente plano, o que garantiu uma velocidade de cruzeiro de 25 km por hora para nossos dois veículos. A temperatura aos poucos baixou com a altitude. As 2h 30 min da manhã do dia atingimos o próximo ponto de sondagem do gelo.

Nosso novo acampamento está a 2130 m de altitude, posição 81 graus 22 minutos Sul, 94 graus 41,5 minutos oeste, Temperatura 22 graus Celsius negativos, sem vento e com Sol, ótimo noite para dormir!

Durante a travessia temos tempo somente para um picnic ao relento (ou seja entre 15 e 20 graus negativos), de preferência com Sol. Na fotografia, da esquerda para direita, Filipe Lindau (UFRGS), Tom (montanhista), Luciano Maruqetto (UFRGS) e Ronaldo Bernardo (UFRGS), aproveitam uma “delicioso” prato pré-preparado. As caixas brancas no centro da fotografia são onde mantemos as amostras coletadas.

Dia 11 de janeiro

Ainda no mesmo acampamento de ontem.

Passamos o dia dentro de uma trincheira perfurando um poço para coleta de amostras. Dia espetacular, ensolarado e sem vento, assim os 19 graus negativos não foram tão sofridos. Nosso trabalho é interrompido somente pelas refeições, a melhor hora do dia!

Dia 12 de janeiro

Missão cumprida neste sítio, conseguimos mais um testemunho de gelo de 20 m, agora é continuar nossa viagem até o monte Johns (onde pretendemos instalar um módulo automatizado para pesquisa no verão de 2015/2016, o Criosfera 2).

Às 15 horas, partimos para o próximo ponto de sondagem, a cerca de 180 km daqui.

Lentamente nossas caminhonetes cruzam o manto de gelo, ultrapassando os 2200 m, a temperatura cai para 22 graus Celsius negativos.

Estamos no topo do platô do manto de gelo desta parte da Antártica; – o nada branco do meio do nada. Olhando para todos os lados, a imensidão branca se perde no horizonte, silêncio total, sem vida. A superfície é totalmente plana, o verdadeiro deserto polar, plano sem nenhum ponto de referência. É quase como estivéssemos em outro planeta.

A neve fofa e plana permite que “voemos” a 25 km por hora, nos últimos 5 anos o uso dessas caminhonetes revolucionou o transporte e as expedições polares. Baixo custo, velocidade mais alta do que pesados tratores, fácil transporte em aviões.

Aproveito e falo um pouco de dos 2 veículos usados por nós e dirigidos pelos dois colegas islandeses: - São dois Hylux Toyota modificados para o ambiente polar, com 3 eixos e tração nas seis rodas, medem 6,3 m de comprimento x 2,3 m. Podem levar até 2600 kg cada um, mais um reboque com capacidade de 1300 kg, o que permite o transporte de todo nosso material de pesquisa (cerca de 600 kg), acampamento, alimentação roupas polares. O mais interessante é que não usamos largatas, somente pneus de 44 polegadas, que com baixa pressão tem pegada de 65 cm de comprimento por 52 cm de espessura, o que permite ser ajustado para diferente tipos de neve.

É claro, a suspensão foi modificada para rodar em cima das pequenas dunas de neve (satruguis) e o tanque de gasolina é de 650 litros. No mais, o motor tem potência de 170 hp, torque de 360 Nm na rotação de 3600 rpm Câmbio automático de 5 marchas, GPS e antenas para telefonia satelital. Estamos em plenas condições para atravessar os campos de neve ao longo desses 1400 km, enfrentando temperaturas de até 50 graus negativos, se fosse o caso.

Às 23 horas, com Temperatura de 22 graus negativos (Celsius), vento quase nulo Posição; 79 graus 55,5 minutos Sul, :94 graus 21 minutos Oeste Altitude: 2123 m

Chegamos ao Monte Johns (na verdade nosso acampamento a cerca de 60 km do dito monte Johns, um pequeno nunatak – rocha exposta circundada pelo gelo), só tem 90 metros de altura acima da superfície do gelo. Ficaremos aqui 4 noites, temos que obter vários testemunhos de gelo.

Estamos na bacia de drenagem da geleira da ilha Pine, nos próximos dias conto sobre a importância dos estudos desta geleira que responde rapidamente às mudanças ambientais.

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